Antes de partir quero me despedir e não sei bem como. Quando comecei organizar a mala, entregar pastas, rever documentos das paróquias, fotos, anotações pessoais e mensagens das comunidades, me veio no coração palavras de gratidão.
Agradeço-te mãe áfrica que a mim se mostrou no seu realismo, diverso da visão romântica dos safáris e dos programas turísticos. Convivi com uma parcela muito pequena de teus filhos e filhas do imenso continente. Particularmente a mim você se mostrou no povo mackua do norte Moçambicano. Gente simples e resistente que trabalha na machamba (roça) e caminha diariamente a procura de água para beber, cozinhar e tomar banho.
Alegrei-me quando a mim se revelou na imensidão de crianças que andam e brincam em grupos. Também cansei de tanto ser olhado e admirado por elas em toda parte. Com elas brinquei e quebrei protocolos da oficialidade das visitas nas comunidades. Elas fazem parte da tua fecundidade e riqueza. Peço aos teus filhos adultos que as considere melhor, organizando esteiras para sentarem nas celebrações e tratando-as com igualdade na hora de comer e vestir.
Surpreendi-me com o universo juvenil de teu povo. São eles pai ou mãe de muitos filhos e até mesmo avó e avô dizendo-se jovem, dançando, cantando e rezando como tal. Foram muitas partilhas, formações e descobertas. Seus cânticos, danças e batuques dão vida às liturgias e festas.
Admirei-me vendo tuas filhas indo para machamba (roça) vestidas de coloridas capulanas, carregando seus filhos nas costas e trazendo pote de água ou lenha na cabeça. Elas expressam a luta cotidiana do teu povo em busca de sobrevivência. Há um longo caminho a percorrer para sua promoção e inclusão social. Elas ainda são na realidade um grito silencioso por liberdade.
Admirei-me vendo tuas filhas indo para machamba (roça) vestidas de coloridas capulanas, carregando seus filhos nas costas e trazendo pote de água ou lenha na cabeça. Elas expressam a luta cotidiana do teu povo em busca de sobrevivência. Há um longo caminho a percorrer para sua promoção e inclusão social. Elas ainda são na realidade um grito silencioso por liberdade.
Com teu povo vive as dores da malária que mata multidões pelo frágil sistema de saúde. Aqui a média de vida do teu povo é 40 anos. As doenças que mais matam já têm cura em outros países, mas teus filhos não tem acesso. Morrem sem saber a causa.
Com tuas pequenas comunidades ministeriais, me encantei, rezei, celebrei sacramentos, dancei, silenciei, dormi em tuas palhotas, nas esteiras e nas camas de corda. Nada me faltou. Mas com elas também me decepcionei pela fragilidade em fazer dos ministérios, cargos e cadeiras de poder. É verdade que teus filhos sofreram e sofrem influências de todo lado: do colonialismo português, das guerras, das ideologias importadas, do tribalismo e do regime atual de governo que fazem de ti o que na origem não és. Contudo, mesmo nas minhas decepções, ainda te vejo hospitaleira, simples, mística, acolhedora da palavra de Deus e aberta ao Espírito.
As lideranças mais velhas me dizem que as comunidades eram mais evangélicas naquele tempo de perseguição e guerra. Escondidas, rezavam no mato sem poder acender fogo para que o inimigo não lhe descobrisse. Teus filhos andavam mais a pé em busca da palavra e da eucaristia. Eram poucos os teus ministros ordenados e te manteves na fé pascal que formou muitas comunidades. Agora teus sonhos estão a mudar. Os cristãos pensam em te cobrir com chapas de zinco, dizendo que a palha dá muito trabalho. Algumas de tuas igrejas já levam nome do dono, deixando de ser comunidade cristã que se constrói na liberdade e na participação de todos.
Pois é mãe áfrica, “o progresso” com suas contradições, chegou a ti. As caminhadas a pé deram lugar às bicicletas e hoje as motos viraram sonho de consumo dos camponeses. A quem já se divorciou depois que comprou motorizada. A cultura dominante já entrou pela música, novelas, roupas, plástico e modas. Tuas vilas com energia elétrica esbanjam invasão capitalista. Tuas feiras nos interiores são pequenos mercados globais. Tuas florestas, teus minérios e tuas riquezas naturais viraram mercadoria para os países ricos. Tua madeira é levada em toneladas diariamente pelos chineses.
Conheci pouco de tua religião tradicional. Mas sei de sua influência no coração do povo. Penso que há valores e limites nela. Pode promover vida, mas também pode levar ao medo, a morte e a opressão dos teus filhos. Há histórias dos que conseguiram a cura e também dos que já morreram nas mãos de feiticeiros que usam drogas e venenos.
Mãe áfrica, uma voz grita no teu deserto. Tuas crianças, jovens, homens e mulheres, velhos, reis e camponeses estão a gritar por justiça, paz, comida, acesso a água, educação e saúde.
Confesso que em 2008 atravessei oceanos com a missão de te evangelizar. Espero que nestes anos te ajudei na construção do Reino de Deus. Mas creio também que você me evangelizou, me acolheu e amadureceu meu coração de pastor. Agradeço pela paciência que teve comigo. Nestes anos carreguei um tesouro em vasos de barro. Por isso, peço desculpas pelos meus erros.
Finalizo expressando que fui muito feliz com teu povo nesta missão, não sei se da mesma forma eles foram felizes com minha presença. Mãe África, chegou meu tempo de partir com o coração agradecido. Obrigado (Kochucuro). Já vou (Korroa).
Pe. Maurício da Silva Jardim
Dezembro de 2011.
Dezembro de 2011.
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